Como descobre Saramago...
O folhetim de Pilar del Rio, In Público, 17 de Outubro de 1998
Por acaso, claro.
Ela que se lembra de "estar a par de todas as novidades literárias" nunca tinha ouvido falar de José Saramago até uma certa tarde de 1986, em que foi com umas amigas a uma livraria: "Vi um livro chamado O Memorial do Convento, e achei curioso o título. Li uma página, li o arranque, comprei, fui para casa e devorei-o".
Regressou à livraria de Sevilha e comprou todos os Saramagos traduzidos: "Quando acabei de ler O Ano da Morte de Ricardo Reis foi uma comoção muito forte e decidi fazer o que não tinha feito nunca, senti a necessidade de seguir aquele itinerário lisboeta, senti que tinha a obrigação moral de dizer a José Saramago o que tinha experimentado com a obra. Um autor só acaba a sua obra quando o livro é lido e entendido. E eu queria dizer-lhe: completou-se o ciclo, li-o e entendi-o então, vim com o meu livro e com O Livro do Desassossego do Pessoa". Aterrou na portela com o número de telefone de Saramago no bolso.
...os dois se encontram...
estamos portanto em 1986, numa altura em que o romancista Saramago ainda está suficientemente disponível para ser ele a ir ter com a jornalista espanhola que lhe telefonou, entusiasmada. Aí vai ele a caminho do hotel Mundial, imprevidente, sem saber o que pode resultar de "tomar um café". Com Pilar: "Eu estava no quarto, desci, saí do elevador e vi um senhor alto... não sei porquê tinha imaginado um homem baixo...apertámos as mãos, apanhámos um taxi, fomos ao cemitério dos Prazeres, ao túmulo de Pessoa, lemos um fragmento de Pessoa, voltámos ao hotel num táxi e despedimo-nos à porta, com um aperto de mãos".
Não foi apenas isto, foi também o encontro entre dos marxistas convictos: "Falámos de política, do que se passava na Europa, e demo-nos conta de que estávamos no mesmo sítio, que os dois éramos marxistas, os dois éramos comunistas e aos dois nos interessava literatura". Pilar Del Rio lembra-se de ter regressado a casa "com uma estranha paz".
...se casam...
na manhã seguinte Saramago telefonou-lhe para o hotel, a pedir-lhe a morada. "Eu regressei a Sevilha, ele enviou-me alguns livros... clássicos portugueses, enviei-lhe algumas críticas... eu não sabia nada da sua vida, nem ele da minha, porque não tínhamos falado das nossas vidinhas... e então, um dia, ele escreveu-me uma carta a dizer que, se as circunstâncias da minha vida o permitissem, iria visitar-me. E as circunstâncias da minha vida permitiam-no."
Um ano depois estavam juntos, no ano seguinte casaram, em Lisboa. "Não tive dúvida nenhuma em vir viver para Lisboa. Não tive nenhum problema de adaptação, quando vim para cá, vim para minha casa."
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